
Nautilus
CRÓNICA HISTÓRICA
É... João de Sousa, Professor
Transladação do Túmulo de D. Rodrigo Sanches
No ano de 2012, integrado no quarto centenário da fundação da Capela-Mor, a paróquia do mosteiro de Grijó organizou uma exposição e publicação de uma cronologia onde se pretendeu dar a conhecer os momentos mais marcantes da história deste milenar monumento, realçando fundamentalmente os acontecimentos relacionados com construções, reconstruções, modificações e modernizações que ao longo dos tempos um conjunto de homens foram realizando.
Nesta altura estávamos longe de pensar que no ano seguinte se iria concretizar uma das obras que mais tempo demorou a ser executada neste monumental edifício. Estou a referir-me à transladação do túmulo de D. Rodrigo Sanches.
Originalmente o túmulo de D. Rodrigo Sanches, mandado fazer por sua irmã, D. Constança Sanches, e de acordo com testemunhos de mais do que um cronista, terá sido colocado no altar de Santa Maria Maior. Aquando da construção da atual igreja e, segundo Frei Marcos da Cruz, porque o local que lhe estava reservado era demasiado pequeno, foi colocado nos claustros deste mosteiro.
Esta verdadeira joia da escultura tumular românica do século XIII (trata-se do segundo túmulo com jacente mais antigo do país) ficou desprotegido desde o século XVII até ao século XXI sofrendo todo o tipo de agressões e ataques de puro vandalismo que muito o deterioraram.
Desde pelo menos 1938 que nos aparecem provas documentais que comprovam que vários párocos se preocuparam com o monumento e apelaram às entidades competentes para o mal acondicionamento do túmulo bem como para a sua progressiva degradação. Foram muitas as tentativas frustradas para se mudar o túmulo de D. Rodrigo Sanches. Em 1941 foi aprovado por despacho ministerial o orçamento de 58.900$00 para o arranjo da Sala do Capitulo e mudança do Túmulo de D. Rodrigo Sanches que não se viria a realizar apesar das várias entidades reconhecerem a urgência do mesmo e da paróquia se prontificar a participar com dez por cento do custo da obra.
Um país onde durante setenta e cinco anos as entidades responsáveis pela preservação e guarda do nosso património nada fizeram para a execução daquilo que era reconhecido por todos como muito urgente é no mínimo preocupante e deverá fazer-nos refletir.
No ano de 2013 por ocasião das festas do Divino Salvador a paróquia decidiu, como já é habitual, organizar uma exposição cujo tema era “Ícones da Fé”. Foram convidados dezenas de artistas que, em distintas formas e materiais, criaram obras que exprimem os sentidos e as dimensões da Fé. O Revº Padre António Coelho que já tinha, como os seus antecessores, iniciado diligências no sentido da remoção do túmulo de D. Rodrigo Sanches, teve a feliz ideia de integrar neste projeto de Ícones da Fé a transladação do referido túmulo. Seria uma oportunidade de revelar a tão desejada descoberta das faces ocultas do túmulo e possíveis símbolos até aqui escondidos.
A tarefa foi hercúlea, mas a forte determinação e vontade de materializar a obra que os seus antecessores se viram impedidos de realizar foram suficientemente fortes para derrubar todas as barreiras burocráticas e proceder à transladação. Decorria já a montagem da referida exposição quando chegou a autorização chegou. A operação custeada na totalidade pela Paróquia de São Salvador de Grijó teve o acompanhamento técnico da Direção Regional de Cultura do Norte e foi realizada, numa operação delicada e meticulosa, pela empresa Regra de Ouro. A entrega da equipa foi total e num tempo muito curto o túmulo foi finalmente transladado.
A pouco e pouco as faces ocultas do túmulo iam-se destapando e a cada centímetro a surpresa era maior. Todo o túmulo estava decorado e num estado de conservação impressionante, apesar de algumas mazelas provocadas pelo seu encaixe no arcossólio no século XVII. De imediato se conseguiu decifrar o enigma da figura do rei que estava na face visível, considerado por muitos especialistas como representando D. Sancho I?, D. Afonso III?. Afinal todas as hipóteses levantadas estavam erradas: tratava-se de um dos reis Magos que faz parte da representação da adoração ao Menino que se encontra na face da cabeceira. Na face dos pés pudemos observar a representação do Calvário onde a beleza das figuras nos surpreendem pela sua peculiar expressão. Finalmente na face lateral ao contrário das expectativas, após se tornarem visíveis as outras duas, aparece uma decoração onde imperam os símbolos vegetalistas, heráldicos, duas vieiras e um pequeno leão.
A transladação do túmulo de D. Rodrigo Sanches, filho bastardo de D. Sancho I, foi o acontecimento histórico-cultural mais importante do ano que agora finda para a Vila de Grijó. Pena é que muitos grijoenses, apesar de toda a divulgação feita, ainda não tenham admirado esta magnífica obra da escultura medieval que até ao momento. Esta obra já foi visitada por muitos que percorreram muitas centenas de Km para observar e admirar o que já foi considerado, por todos os especialistas, como a mais importante revelação no domínio da história da arte em Portugal neste ano de 2013.
Para os leitores interessados informamos que este assunto irá ser aqui tratado nos próximos números, onde iremos desvendar, com mais detalhe, os pormenores da iconografia do túmulo, a vida de D. Rodrigo Sanches e de seus pais D. Sancho I e D. Maria Pais Ribeira, a Ribeirinha. Desta forma pretendemos dar a conhecer melhor o nosso património para o valorizar e preservar para as gerações vindouras. Numa época em que imperam os valores materialistas, economicistas e outros que tais, é urgente salvaguardarmos o nosso património a nossa História para que a nossa memória e consciência cultural se afirme e perdure.
Termino citando um pequeno pensamento do grande escritor francês do séc. XIX, Victor Hugo:" Se mais não souberdes, conhecei ao menos a história da vossa terra".