
David Pedrosa
O telefona toca e perguntam-me se sabia que o Chefe David Pedrosa, tinha morrido. De imediato, sinto um choque pela notícia. Depois trespassa-me pelo corpo um sentimento de tristeza e de amargura por não o ter acompanhado até á sua última morada.E não é que ainda recentemente tinha pensado com os meus botões: “tenho que o visitar para falarmos de Grijó e de Escutismo”. Nem visita, nem um último adeus… Agora só a saudade de um Homem, com “H” grande, que foi escritor, jornalista, dirigente associativo, meu Chefe Escutista e grande mentor pelo amor e carinho que tenho à história de Grijó.
Este homem de grande fé, sempre amou o Escutismo e Grijó e a eles dedicou toda uma vida. Em relação a Grijó, terá sido porventura aquele que mais escreveu sobre a nossa terra em toda a sua globalidade. Falou da nossa história, de memórias de costumes antigos, de quadros pitorescos da nossa antiga ruralidade, das suas pessoas e das suas colectividades. O exemplo máximo dessa sua devoção por Grijó é o seu livro, Memórias de Grijó… “A Alma de um Povo”, editado em 2007.
Este livro marca o seu amor que sempre teve por Grijó e pelos Grijoenses e que foi o corolário final de tantos e tantos artigos seus em jornais e principalmente na Revista “Amigos de Gaia” de quem foi co-fundador (sócio nº 2 e sócio honorário).
Esta vila e os seus habitantes estão por certo agradecidos a este homem que deixou como herança, histórias e recordações para as nossas gerações futuras. No futuro, espero eu, como muitos outros que amam a história desta terra e as suas raízes que o verdadeiro reconhecimento seja feito a quem tanto fez por Grijó.
David Pedrosa não escreveu só sobre Grijó, escreveu também sobre Gaia e algumas das suas terras, em que destaco as separatas (entre várias) sobre a história da Senhora da Saúde, o S. Bartolomeu e o Monte de S. Caetano. Foi também colaborador de vários jornais regionais e nacionais, aonde quase sempre Grijó era o seu tópico principal.
Escreveu também sobre o outro amor da sua vida, o Escutismo, com especial destaque para o seu livro, “Um Raide de 70 Anos – Região do Porto”, editado em 1998. Um trabalho fantástico sobre o Escutismo na Região do Porto, desde os seus primórdios e aonde mostrou a sua grande humildade, pois aí historiou sobre os outros e aonde quase se eclipsou de uma história em que tinha lugar de direito e de mérito.
Este homem que nasceu na freguesia da Sé, no Porto, a 24 de Setembro de 1924, mas Grijoense de alma, sangue e corpo, começa a destacar-se com a sua paixão pelo Escutismo.
A sua vida escutista inicia-se no Agrupamento da Campanhã (Grupo 67), no Porto, aos 7 anos de idade, depois passará pelo da Sé (Grupo 8), também no Porto, pelo de Santo Ovídio (Grupo 465), em Gaia e terminará no Agrupamento 501 dos Carvalhos. Local aonde eu e muitos Grijoenses começamos a nossa vida escutista. Todos os seus escuteiros nunca o esquecerão, principalmente quem passou pelos Carvalhos. Para muitos foi um pai, um educador e um mentor. Por certo, todos eles estão tristes pela sua partida, pois perderam o seu amigo Chefe.
Foi sempre um homem motivado pela fé e por projectos e aí o Escutismo Nacional deve-lhe o agradecimento pelo que fez também ao longo da sua vida. A estátua que todos nós podemos ver em frente a uma grande área de prédios residenciais, no fim da estrada do lugar do “Correio”, S. Félix da Marinha para a Granja (lado direito de quem desce) é um exemplo disso. Essa estátua “O Escuteiro” de autoria do escultor José de Oliveira Ferreira, teve com principal promotor e impulsionador o Chefe David Pedrosa. Essa estátua que incrivelmente nos dias de hoje foi preservada no seu lugar original, teve como fim a homenagem á realização do 3º Acampamento Nacional na Granja, que decorreu entre os dias 18 e 28 de Agosto de 1930. O primeiro das duas únicas vezes que a grande festa do Escutismo (o Acampamento Nacional) teve lugar em terras de Gaia. A outra foi no ano de 1956 (o 10º), em Avintes. Foi também o fundador, primeiro Chefe e Chefe Honorário do Núcleo Centro Sul de Vila Nova de Gaia. Foi condecorado várias vezes pelo Corpo Nacional de Escutas – Escutismo Católico Português e também foi condecorado pela Câmara Municipal de Gaia com a Medalha de Prata “Valor e Altruísmo”.
Este homem multifacetado, também esteve presente na área da Cultura e do Associativismo. Fez parte da Orquestra dos Cavaquinhos de Portugal, do Grupo Sacro S. José do Bonfim e do Circulo Católico do Porto (Teatro). Mas será na sua terra de coração que mais viverá estes momentos ao fazer parte da Tuna Orfeão de Grijó, dos Amigos do Mosteiro de Grijó (Teatro) e dos órgãos directivos da A. D. de Grijó. Esteve também presente (ajudando) na fundação da Associação Ecológica de Grijó e do Rancho Folclórico São Salvador de Grijó.
David Pedrosa esteve também (na minha opinião) ligado inconscientemente a um acontecimento que penso ser dos mais significativos na educação dos jovens Grijoenses. Pois, sem o saber, seria o “embrião” da fundação do Escutismo em Grijó. E porquê? Porque os seus ensinamentos, a sua dedicação e a sua paixão passaram para alguns jovens de Grijó que eram Escuteiros sobre a sua chefia no Agrupamento dos Carvalhos. Esses valores acabaram por ser transmitidos e sentidos por esses jovens e aonde a palavra raiz teria um significado muito forte. Sim, as raízes, uma palavra simples mas fortíssima para quem sente e ama a sua terra. Então, esses jovens decidiram partir para a fundação do Escutismo em Grijó e David Pedrosa como homem de bem, aceitou essa situação como a coisa mais normal do mundo. Afinal eles partiam para a sua terra de coração. Isso foi amplamente demonstrado com a amizade que sempre teve para os Escuteiros de Grijó e principalmente para quem o abandonou nessa altura para fundar o Escutismo na sua terra. Isto para mim, foi sempre a imagem de uma pessoa que amava a sua terra de coração.
Para terminar, quero só dizer que que este homem que partiu há poucos dias da nossa vivência, fez para mim com a maior das simplicidades, com que esta nossa linda terra que tem por nome, Grijó, ficasse mais rica com a sua contribuição humilde e devotada pelas suas gentes e pela sua história.
Muito obrigado, Grande Chefe e uma “grande canhota”.
Tavares da Silva




David
Pedrosa
O coração é uma pedra de amolar
Como é difícil traduzir em palavras escritas os sentimentos que nos trespassam o coração e a alma, nomeadamente quando o fazemos, evocando um amigo, um irmão escuta, daqueles a respeito de quem temos a sensação que conhecemos desde sempre, como acontece com a nossa mãe, o nosso pai, os nossos avós, os nossos irmãos.
Sempre esperei que nunca me pedissem uma tarefa dessas! Todavia, quando a voz dos amigos é a voz da consciência, esta e o sentido de gratidão e do dever cívico, além de outros respeitos, impelem-me a dizer os meus sentimentos e a fazê-lo, recontando uma história – histórias que o D.P. gostava de contar e ouvir contar! – esta nunca lha contei, conto-lha agora!...
Era uma vez um lenhador, homem sempre disposto ao trabalho, que, para melhorar a sua vida, e especialmente a vida daqueles que o rodeavam, decidiu ir trabalhar para uma longínqua floresta, para angariar fortuna, e, logo que pudesse, regressar ao convívio dos seus.
Contratou com o dono do bosque o preço por cada abate de árvore que executasse; quantas mais árvores abatesse e desramasse, mais dinheiro ganhava, e mais rapidamente regressaria à sua família e à sua terra de origem.
Ficou animado e, no primeiro dia, cheio de entusiasmo, abateu 19 ou 20 árvores; no segundo, 20 ou 21; e, ia mantendo a média, até que, ao fim de alguns dias, começou a sentir-se muito cansado, trabalhava mais e recebia cada vez menos, como se fosse menor o trabalho executado. Foi ter com o patrão e disse-lhe:
- Não percebo!... cada vez me canso mais, e recebo menos! Não consigo abater tantas árvores como nos primeiros dias!
Perguntou-lhe o sábio dono do bosque:
- Olha lá!... tu tens afiado o machado?!
E, ao ver o encolher de ombros do jovem lenhador, acabou por concluir: - Olha que é preciso afiar e cuidar do machado, das ferramentas, todos os dias, ao longo da vida! Sempre!
D.P. foi o lenhador que abateu árvores, talhou e aparelhou madeira, lançou construção e construiu, ao longo de toda a sua vida, na família, na vida associativa e cultural, na vida social, na escrita e especialmente no Escutismo.
Como é tal possível, ao longo de tantos anos, e com o entusiasmo e o dinamismo que sempre demonstrava?!
A resposta é fácil, e é aquela que toda a gente – novos e menos novos – já sabia e sabe: D.P. sempre soube afiar as suas ferramentas ao longo da sua vida, com cuidado e com perseverança; e, mais do que isso, ensinou os jovens, que tiveram a felicidade de se atravessar no seu caminho, a praticar de igual forma a difícil arte de afiar as ferramentas. Machados?! Sim, também, afiava e ensinava a afiar machados com o esmeril ou a pedra de amolar! Porém, as ferramentas que ele primorosamente afiava e ensinava a afiar eram de outra natureza, eram a amizade, a lealdade, a honra, a dedicação, o serviço ao próximo, o amor ao Escutismo, o respeito, a cidadania e tantas outras.
Nenhuma destas ferramentas é de amolar ou afiar no esmeril, ou na pedra do “amola tesouras e navalhas”; não!… não era nestas que D.P. afiava as delicadas e úteis ferramentas que usou ao longo de toda a sua vida. Era no seu generoso coração que D.P. amolava e afiava a amizade, a lealdade, o serviço aos outros, a dedicação, o respeito… grandes ferramentas de mudar o homem e a humanidade.
O seu coração de escuteiro era a magnífica pedra de amolar as ferramentas que sempre colocou ao serviço do Bem e em prol de todos os que se cruzaram no seu caminho.
Ouvi dizer a muitos e dedicados dirigentes escutistas e a D.P., também, e muitas vezes:
“Escuteiro uma vez, escuteiro para sempre.”
Acredito que “escuteiro para sempre” seja não só nesta vida terrena, mas também no eterno acampamento, onde o Senhor concerteza reservou tenda para D.P. descansar em paz, e rogar por nós.
Obrigado, chefe Pedrosa!
José Manuel da Costa e Silva
(lobo prudente)